Depois de muitos adiamentos causados pela pandemia que nos deixou sem shows por dois anos e também nos tirou muitos amigos queridos, finalmente a banda norte-americana SYMPHONY X, um dos ícones mundiais do metal progressivo, pousou em Fortaleza para o seu tão aguardado (e como, podemos dizer) show no Complexo Armazém no domingo, 31 de julho, uma produção da D Music e InBeats. Trouxeram na bagagem, além de clássicos, muita simpatia, além de vir acompanhados pela TREND KILL GHOSTS que, spoiler alert, conquistou boa parte do público presente, e de ser muito bem recebidos pela HELLHOUNDZ, conterrânea nossa. Vamos aos shows.

Hellhoundz

Pontualmente sobe ao palco a HELLHOUNDZ, a representante do metal do Ceará. Segundos antes, ainda na penumbra que os envolvia na iminência do show, a figura no centro do palco lembrou um pouco o nosso Silvio Bezerra, vocalista da BEOWULF, que a Covid nos tirou. Não sei por que resolvi registrar isso (a semelhança não durou talvez mais que um segundo – talvez se parecesse com ele quando mais jovem). Talvez porque o Silvio foi um dos maiores vocalistas de heavy metal brasileiros. E faz muita falta.

A banda cearense começou o seu show com seu carro-chefe (muito bem escolhida), “Burning Witches”, uma canção que – aqui a semelhança de novo – evoca o clima “Angel Hammer” da BEOWULF. Passaram para o novo single, “Everything Ends Too Soon”, de um vindouro álbum, o primeiro na voz de Yerlon Magalhães, o novo vocalista. “Merciless Blade” e “Gunslinger” não negam a influência maideniana, seja em seus riffs ou até mesmo na introdução à la Barry Clayton (a voz da intro de “The Number of The Beast”)

Este era o primeiro show com a nova formação (o primeiro vocalista, o excepcional João Jr, havia saído da banda algum tempo atrás) e o quinteto fez bonito, com um Heavy Metal melódico cheio de técnica e punch, mas com muita inspiração na banda de Steve Harris, até com o baixo-cavalgada em alguns momentos. E teve até um pouco de gutural com o guitarrista Renan Magalhães dividindo os vocais em “When the Night Begins to Rise”. Sons de chuva trazem a saideira, “Hounds of Hell”, outra canção muito boa. Que a banda anote: a épica “The Battle of the Somme” tem que estar presente nos shows, mas, por enquanto, estão perdoados.

A Hellhoundz é Yerlon Magalhães (vocais), Joe Wilson e Renan Magalhães (guitarras), Augusto Oliveira (baixo) e Rodrigo Magnani (bateria).

Setlist

  1. Burning witches
  2. Everything ends too soon
  3. Merciless blade
  4. Gunslinger
  5. When the night begins to rise
  6. Hounds of hell

 

Trend Kill Ghosts

É hora dos paulistas da TREND KILL GHOSTS subir no palco e mostrar o seu som para os cearenses.  Diogo Nunes (vocal), Rogério Oliveira (guitarra), Fábio Carito (baixo) e Leandro Tristane (bateria) descarregam seu power metal, começando com “When The Sun Rise Again” (ou seria “Marching to the Light?), com, a despeito de todo o instrumental já ser muito bom, destaque para o som do baixo muito bom de Carito.

Ao se apresentar e apresentar a banda, Diego lembra que “essa é nossa estreia na sua cidade maravilhosa. Esperamos que vocês estejam curtindo”. E chama a canção seguinte, que já começa com um solo arrebatador (adiante, no meio da canção, viria outro solo de igual impacto). Tenho certeza de que quem curte power metal curtiu bastante a banda.

“Estamos muito felizes por duas razões. Uma é porque estamos aqui. Outra é porque estamos terminando a nossa turnê com uma banda que somos fãs demais”, continuou, mais tarde, Diego, pedindo ao público gritos para a SYMPHONY X e para sua própria banda, o que foi atendido pelo público prontamente.

O show continua mostrando que a TKG é uma promessa do Power Metal, com belos solos, shredding, aquela bateria característica e um baixo que não apenas fornece a cama para o solo, mas mostra sua própria personalidade.  O resultado é lindo, mesmo para quem curte praias mais revoltas. Braços para o ar indicam a aprovação da banda pelo público.

E para consagrar a união, um momento muito especial na noite. “Pra próxima queremos que suba ao palco uma amiga que fiz aqui em Fortaleza, Talita Andrade“, chama Diego a cantora que conhecemos como Talita Turunen. Ela participa de “Poisoned Soul” e arregaça.

“Agradecendo a presença, a interação e a entrega de vocês” é o anúncio da última canção. “Me disseram que Fortaleza era incrível. Vocês são muito mais que incríveis. Palmas pra vocês. Nunca desista dos seus sonhos. Acredite em você mesmo” fecha Diego antes de “Phoenix”, primeiro single do nosso novo álbum da banda paulista.

Os comentários nas redes sociais foram bastante positivos para o quarteto. De cá, só adicionamos que poderiam adicionar uma segunda guitarra, pra encorpar ainda mais o som.

Setlist:

  1. Marching to the Light
  2. Puppets of Faith/Rebellion
  3. When the Sunrise Again
  4. Deceivers
  5. Prisoners in our Minds
  6. Like Animals
  7. Poisoned Soul (com Talita Turunen)
  8. Phoenix

Symphony X

Mas, se a “tendência de matar fantasmas” foi uma grata surpresa, o que o povo estava realmente esperando era a “décima sinfonia”.  E ainda cedo na noite subiram ao palco os cinco músicos estadunidenses. Embora o setlist não tenha trazido nenhuma surpresa (e sobre isso já falou muito bem o meu amigo @augusto.hunter), o que importava para os cearenses era ver, pela primeira vez em sua cidade, a guitarra virtuosa do gordinho simpático (todo gordinho é simpático, né?) Michael Romeu, os climas do teclado de Michael Pinella, o comando firme e exigente da bateria de Jason Rullo e do baixo de Michael LePond, e a voz e o carisma de Russell Allen, uma formação que se mantem há mais de 20 anos. E se muitos na plateia já tinham visto a banda no fatídico Metal Open Air, há dez anos, no Maranhão, havia também maranhenses, pernambucanos, potiguares, gentes de muitos estados no Nordeste lotando o Armazém.

Exatamente como em todos os outros shows, depois da intro quem vem é a bela “Nevermore“. O que é isso? Que é isso? Instrumental absurdo. Refrão que fica na cabeça. E se não falamos ainda da luz, corrijamos desde já essa nossa falha. A iluminação do palco estava fantástica, o sétimo jogador no time que tinha os cinco músicos e o som praticamente perfeito.

Muitos gritos enquanto a bateria inicia “Evolution“, do clássico quinto álbum, “V – The New Mythology Suite”. E em “Serpent’s Kiss” fica claro que você pode até não ser fã da banda (e eu não curti mesmo o “Underworld”), mas, com um som desses, uma produção dessas e vendo esses monstros tocando a 3m de distância não tem como achar no mínimo extraordinário.

Sea of Lies“, a única no set de “The Divine Wings of Tragedy” (bola fora, SYMPHONY X – vocês vão ter que corrigir isso) é a próxima. O público cantou junto. Allen pode até se aposentar porque os cearenses cantaram toda a canção. E o que Romeo faz no solo é de outro mundo. O mesmo Allen fica até sem ter o que fazer durante a parte instrumental, até ameaça dar um “tchibum” no fosso do Armazém (não sabemos por que a casa insiste em manter essa aberração em frente ao palco). E se a música termina deixando o público está gritando o seu nome, ele pede para gritarem também o de seus amigos.

Allen também diz que “parece que Fortaleza era parte do Caribe. Parecia que estavam tocando de férias. São 25 anos de SX. E fomos abençoados por tocar em locais como este” e finaliza dizendo que não poderia ter nada disso ” sem você”. Claro, é a deixa para a balada “Without You”. É óbvio que essa também foi cantada pelo público a plenos pulmões. Isso quando namorados não se beijavam.

No meio da música, há o momento só de Romeo. Digo, de Romeo e do público, que acompanha com palmas.

O piano de Pinella começa tranquilo “When all is lost“. Mas a reação no Armazém é exatamente o contrário disso. O público enlouquece.  E participa da música. É um momento bonito, parte da canção com apenas Allen, Pinella e o público. Se fosse num estádio seria a tradicional música dos isqueiros. Depois, Russel não deixa barato e esbanja o soul de sua voz, enquanto uma chuva de suor caia de seus braços. Fortaleza não brinca. Fortaleza não brinca mesmo.

“Vamos para um pouco de peso, né?”, convida Allen após “Kiss of Fire“. Sabemos que serão mais duas do último álbum, mais direto, mais power, menos prog. Allen faz palhaçada enquanto Romeo esmerilha a guitarra em “Run With the Devil“. Ele não é definitivamente do tipo de vocalista que sai do palco nas longas partes instrumentais das músicas. Faz o que lhe der na telha na ocasião. E ali faz de conta que é um velhinho corcunda, arrancando risos até do compenetrado LePond. E quando é sua vez de meter a mão na massa, o que faz é deixar o público cantar sozinho o refrão. Ele diz que é a primeira vez na turnê que isso acontece, mas a gente sabe que é “queixo” (quem é do Ceará vai entender a expressão, quem não é, está convidado a passar uns dias por aqui).

Allen está mesmo impressionado com o fosso. Pergunta se é fundo e se pode mergulhar. E usa o inusitado elemento de decoração a seu favor pra mexer de novo com o público. “Se vocês querem que eu não mergulhe, gritem”. Claro que nem precisava de tanto. E ainda cabe até um pequeno solo de Jason. Isso depois de Romeo e Pinella.

“A gente nunca sabe o que vai acontecer nas turnês. Estávamos no hotel e vendo todos aqueles casais pensamos: será que gostam de Heavy Metal aqui. E ao público: “Vocês gostam de Heavy Metal?”, pergunta para ouvir um sonoro “Yeaaah”.  “Vocês podem mudar o mundo. Vocês podem botar fogo no mundo”, outra deixa, dessa vez para “Set The World on Fire“.

É hora do bis tradicional. Sabemos que falta apenas uma música. Aquela. Justamente aquela. Só aquela.

Quando a banda volta, Allen pergunta como se diz “pirata” em português. E explica por que quiz saber. “Bom E ser livre. Botar uma bandeira preta e voar por onde quiser”. E chama cada um dos companheiros. “Se vocês acham que eu sou o capitão do barco, esse cara é o almirante da frota”, apontando para Michael Romeu. “Olá, olá olé, olé Michael Michael”.

Sobre os próximos vinte e tantos minutos eu não vou escrever mais nada. Ou você vê ao vivo uma suíte como “The Odissey” ou você não vai ver nada. Ou você se imobiliza amarrado no mastro pra ouvir o canto das sereias ou você entope os ouvidos com cera.

E se o tempo da canção poderia ser mais bem usado com outras três ou até quatro outras canções, eu discordo. O momento visto ali é único e a inclusão da canção só enriquece a experiência do show. Se fosse pra mudar algo, o que eu recomendaria seria suprimir algumas do “Underworld”. Uma destas duas últimas, por exemplo, bem que poderia ceder seu lugar à faixa título do “Iconoclast”, por exemplo.

Fim. O show chega ao fim. Allen declara “eu amo esta cidade”.  O público sabe que é o fim, mas ainda pede mais uma.

“Inferno”.

“Inferno”.

Allen olha para Romeo. Não foi em inglês que ele falou. Nem em português. Mas lemos no olhar um “bora?”. Mas o guitarrista não acede e o fim é o fim mesmo. “A coisa mais difícil é dizer adeus pra vocês agora. É um saco, mas temos que ir. Esse é o jeito pirata: pegar tudo o que pudermos e não dar nada em troca”, reconhece Allen. Até quanto estava sendo sincero ou se era só jogo de cena só quem viu o SYMPHONY X nas outras cidades, São Paulo, Rio ou Limeira, nesta turnê vai puder responder. Os caras não querem ir embora mesmo, porque continuam no palco falando e falando e falando. Parecem namorados em começo de namoro que não sabem desligar o telefone. “Desliga tu”. “Não, desliga tu”. “Desliga tu primeiro”. Uma moça ainda pulou na água pra dar um presente pra Allen (esperamos que ela tenha sobrevivido) e Allen ainda cantou parabéns pra outro fã chamado Zé (adicionamos esta ao setlist?). Ficou a promessa de um retorno, talvez até pra tocar o “Iconoclast” na íntegra (seria uma boa, né?), e lembranças de uma noite memorável, com produção esmerada, reencontro com grandes amigos e a expectativa de um retorno. InBeats e D Music, tragam novamente esses indivíduos. Se vimos “The Odissey”, agora queremos ver “The Divine Wings of Tragedy”.

Setlist

  1. Nevermore
  2. Evolution (The Grand Design)
  3. Serpent’s Kiss
  4. Sea of Lies
  5. Without You
  6. When All Is Lost
  7. Kiss of Fire
  8. Run With the Devil
  9. Set the World on Fire (The Lie of Lies)
  10. The Odyssey

Agradecimentos:

Maurílio Fernandes e Denor Souza, pela atenção e credenciamento.

Rubens Rodrigues, pelas obras de arte que ilustram esta matéria. Confira mais na galeria abaixo.